20 de set. de 2016

HOMELESS

quando seus melhores amigos
são dois cisnes brancos
que passam o dia na beira do lago
a se coçar com os bicos

quando de toda a água ainda líquida
você só consegue enxergar
o tanto de gelo que vai se formar

quando lamenta pelo jardim de flores
- tão bonito! -
à beira da morte

quando a própria paisagem se suicida
pelo excesso de pontes
que convida

quando você paquera vitrines de bikes
enquanto gasta a sola do mesmo tênis
todos os dias
passando pelas mesmas vitrines

quando o lugar mais bonito do mundo
é a tela do Skype
onde sua sobrinha sorri
nos colos em que você queria estar

quando você se sente tão envergonhada de incomodar
que queria dormir embaixo do sofá

quando a timidez cria um bloco de gelo intransponível
que um simples “oi” é um estilhaço
e toda palavra corta
na gagueira dos dias

e os dias se encurtam dia a dia
e as noites vão ficando cada vez maiores e mais frias

e seus melhores amigos
são aqueles 2 cisnes
que se coçam
largando as penas no gramado
enquanto você fuma um cigarro
todos os dias
na beira do lago

e o lago vai congelar
e os cigarros vão acabar
e os cisnes vão embora

e você não cabe embaixo do sofá
e você não consegue mergulhar na tela

e permanece parada em frente à mesma vitrine,
enquanto dezenas de bikes cruzam a rua às suas costas
com a determinação das coisas que sabem para onde vão

seus tênis já estão cansados de andar
sem conhecer o caminho de casa

e eu que não entendia por que os tênis se penduravam
nos fios de alta tensão