In. Inventos, 2008

E O QUE GEROU ESSA GERAÇÃO?...

“Eu vi os expoentes de minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa” (Allen Ginsberg)

eu vivo uma geração sem expoentes
uma geração de estrelas cadentes que sequer se sustentaram no céu para dar-nos suas quedas em espetáculo celestial
uma geração de trevas ofuscada pelas luzes eletrificadas que explodem retinas
a minha geração ficou no meio do caminho entre a que foi e a que talvez virá – virá?
nem sexo, drogas e rock’n roll nem açaí com guaraná
uma geração big mac fast food self service coca diet com entrega a domicílio que cresceu na frente da tv
eu não sei da internet o tanto que ela sabe de mim nem li tantos livros assim
vivo entre o passado e o futuro a semente estéril de uma geração imprensada em cima do muro
e eu aqui deslocada sem estourar numa ploc, sem entender nada de rock, achando que a minha vida é um pit stop
onde é que isso tudo vai parar?
sei lá, acho que a minha geração perdeu a hora, saca? tava dormindo e não ouviu o despertador tocar. acordou meio-dia no meio da vida na casa dos pais achando que viver ou morrer tanto faz.
é uma geração que não dá poema. não rima nem arrebata. não ladra nem morde. jamais daria um uivo. e nem consegue arrancar suspiros ou suspender respirações.
sendo fruto de uma geração que não representa nada, nem a minha própria geração eu sou capaz de representar.
eu vivo na contramão de uma geração que não tem fluxo pra lugar algum.
então, como é que eu posso dar em algum lugar?
não, meu bem, eu não quero acordar. me deixe dormir até meio-dia no meio da vida na casa dos pais achando que viver ou morrer tanto faz. eu desliguei o despertador, então, faça o favor, não me acorde, meu bem. a minha geração dorme de olhos abertos, mas eu, meu bem, eu só quero sonhar.  me deixe sonhar que nesse meio do caminho eu ao menos sou pedra, e não terra pisada como o resto da estrada.

EPITÁFIO

aqui jaz meu coração
de tanto apanhar, parou de bater.

DAS COISAS SIMPLES QUE A GENTE NÃO PODE FALAR

as coisas são simples
eu que me perco em devaneios literários
as coisas são como são
eu sozinha no carro, dirigindo sem direção
eu com um celular silencioso nas mãos
vontade de ligar
e a razão me dizendo que não
eu paro nos sinais vermelhos
não é mais madrugada
o dia já clareou
hoje eu não vou pra casa
o sinal abre
eu sigo em frente
o farol ainda ligado
já é dia claro
apago o farol
meu carro que tava tão cheio
balança agora vazia
uma latinha de cerveja largada no chão
e no banco do carona,
em que agora repousa a minha bolsa
com o celular que eu não vou pegar,
você já esteve sentado
me pedindo pra te levar pra qualquer lugar
eu te levaria pro infinito
se você dormisse comigo
dormisse mesmo no sentido literal
você do meu lado, roncando
(será que você ronca?)
eu ia até achar bonito...
te ver dormindo
um rosto vulnerável
sem caras e bocas
sem máscaras
troco a marcha, acelero
eu te levaria ao mundo inteiro
paro no sinal (como tem sinal vermelho!)
agora eu não te levo mais pra casa
seria te largar nos braços dela, te entregar
as coisas são simples e eu não quero mais confusão
se quiser se sentar ao meu lado, eu não te entrego, eu não te largo
vai com as próprias pernas
trilhar o caminho com o qual você já tá tão bem acomodado
deixa o incomodo comigo, eu me viro
eu viro a esquina
eu hoje não vou pra casa
na minha irmã eu busco abrigo
eu estaciono, entro no prédio, subo no elevador
e o vazio do carro eu carrego comigo
eu falo oi e peço uma caneta
rabisco, rabisco, mas não consigo escrever um poema de tudo isso
como literalizar coisas tão simples
e que não têm tradução em palavras?
você nunca vai saber o gosto das minhas lágrimas
você não pode prová-las
eu sentada na cama, no quarto escuro,
a vista afogada,
eu vejo apenas você caminhando, caminhando...
levado pelas suas pernas, pelo seu desejo
e vejo também alguém te esperando
alguém talvez também com gosto de lágrimas na boca
mas é aquela boca que te espera para um beijo
as coisas são simples
eu que me perco em devaneios...

POR UM FIO

um simples fio puxado
numa leve distração
e tzzzzzzzzzzzzzzzzzz
um rasgo rápido
percorre
a meia-calça inteira

o fio puxado me corre por dentro.

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